STF nega recurso de SP e pede ‘ponto final em ciclo vicioso’ de precatórios

Ministros da Suprema Corte pediram que estados e municípios cessem o uso de recursos judiciais que visam postergar os pagamentos. As dívidas judiciais do setor público somam R$ 97 bilhões.

Roberto Dumke

São Paulo – Em sessão que rendeu decisão favorável a credores do governo, ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) criticaram o uso de recursos para postergar o pagamento de dívidas judiciais do setor público – os chamados precatórios.

O ministro Marco Aurélio Mello criticou a postura do município de São Paulo. ‘Não posso deixar de questionar qual é a dúvida a respeito da matéria ante reiterados pronunciamentos do Supremo? Até quando não se observará decisões da mais alta Corte do País?’, questionou, em tom de desabafo.

Ele se referia a repetidas decisões do Supremo que permitiram o fracionamento de dívidas no caso em que a ação tem mais de um titular – tese reafirmada na sessão de ontem. Com o fracionamento, o credor pode escapar do regime de precatórios e pedir o pagamento da dívida de pequeno valor.

Para o ministro, o entendimento já estava consolidado. Por isso, ele criticou o recurso da Procuradoria-Geral de São Paulo. ‘É tempo de afastarmos essa visão de achar que enquanto houver possibilidade de recurso, deve-se manuseá-lo. É preciso atuar observando arcabouço normativo’.

Para Marco Aurélio, o poder público aposta na demora da Justiça para ‘postergar o pagamento de precatórios para as calendas gregas’, isto é, o dia que jamais chegará. Ele completou: ‘Precisamos colocar um ponto final nesse ciclo vicioso [dos precatórios].’

Relatora

‘Faço coro sobre a necessidade de mudança de cultura’, disse a ministra Cármen Lúcia, relatora do caso sobre o fracionamento. Ela, que já foi procuradora, ressaltou que a crítica não é direcionada às procuradorias-gerais dos estados e municípios, mas ao Poder Executivo. ‘Muitas vezes leva-se o caso à autoridade, que insiste no uso de recursos.’

O mau uso dos recursos judiciais, segundo ela, ‘debita na conta do judiciário’ o problema dos precatórios e gera ‘uma avalanche de processos’. Apenas sobre o tema de fracionamento das dívidas, cuja repercussão geral foi reconhecida pelo Supremo, eram 1.085 processos travados na Justiça.

Questionamento

O recurso extraordinário 568.645, pedido ao STF pela Procuradoria-Geral do Município paulista questionava acórdão do Tribunal Justiça de São Paulo (TJ-SP). Para a justiça paulista era possível fracionar as dívidas no caso de ação com mais de um titular.

O objetivo da divisão do pagamento seria escapar do regime de precatórios, que trata de dívidas de até 60 salários mínimos, no caso da fazenda federal; 40 salários, para as fazendas estaduais; e 30 salários no âmbito municipal. Abaixo desses três valores, a parte pode fazer uma requisição de pequeno valor, o que resulta em recebimento mais rápido.

O município defendia a tese de que o fracionamento feria o estabelecido pela Constituição. No artigo 100, parágrafo quarto, consta que ‘é vedada a expedição de precatórios complementares ou suplementares de valor pago, bem como o fracionamento, repartição ou quebra do valor da execução’.

Decisão

No entendimento da ministra Cármen Lúcia é possível ignorar que as ações do tipo ‘nascem fracionadas’. Ela também afirmou que o STF já havia proferido inúmeras decisões contrárias à tese do município.

‘A argumentação do recorrente, além de tecnicamente inadequada, revela descompasso com a norma’, acrescentou a ministra. Ela complementou que as repetidas ações do tipo causam um ‘abarrotamento cada vez maior’ do judiciário, num ‘momento que se tenta racionalizar’ os recursos disponíveis para a justiça.

O recurso de São Paulo contra a decisão do TJ-SP foi negado pelo STF por unanimidade.

Acumulado

O total de precatórios no Brasil, considerando o valor histórico acumulado até junho de 2014, é de R$ 97,4 bilhões, segundo levantamento divulgado em agosto pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ). O estudo foi feito com base nas manifestações dos 52 (cinquenta e dois) tribunais.

As dívidas do Estado São Paulo e da capital paulista, na Justiça comum, somam quase metade (49%) do total do Brasil. São R$ 46,7 bilhões em precatórios, segundo o TJ-SP.

O sócio do Diamantino Advogados Associado, Eduardo Diamantino, diz que é preciso lembrar que o precatório já é ‘o final da batalha’. Segundo ele, quando o credor consegue emitir um precatório é porque já enfrentou um processo de 10 a 20 anos na Justiça. Para ele, quem consegue emitir um precatório ‘merece medalha’.

Regra

Segundo ele, a regra é que o estado deve destinar 1,5% da receita para o pagamento dos precatórios. ‘O problema é que existe parte do poder publico que tem uma vontade estranha de não pagar.’

Diamantino aguardava o julgamento de outra questão no STF, o recurso extraordinário 566.349, que diz respeito à compensação de precatórios para fins tributários. Com sua repercussão geral reconhecida em 2008, o recurso trava todos os processos sobre o tema desde então. O caso foi retirado da pauta de ontem.

Fonte: Jornal DCI