Responsabilidade do sócio após saída da empresa

Tema de grande discussão no direito societário, a responsabilidade do sócio que se desliga de uma sociedade limitada continua em destaque após recente julgamento proferido pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ). A controvérsia envolve a responsabilidade do sócio por até dois anos após a sua saída do quadro societário da empresa, em função do previsto nos artigos 1.003, 1.032 e 1.057 do Código Civil.

Inicialmente, convém segregar algumas hipóteses. Muitos confundem esses ditames legais, como se estabelecessem uma solidariedade do sócio retirante em relação às obrigações da sociedade, o que não é verdade.

A responsabilidade da sociedade é da sociedade e somente da sociedade. Seus sócios, atuais ou já desligados, não são corresponsáveis pelas obrigações e dívidas da sociedade. São pessoas diferentes, com personalidades diferentes, que não se confundem. Dessa forma, o fato de ser ou ter sido sócio de uma sociedade não acarreta, por si só, responsabilidade solidária nem subsidiária. Ainda que o artigo 1.003 preveja uma responsabilidade “perante a sociedade e terceiros”.

É exatamente isso: em regra, os sócios não respondem pelos débitos da sociedade.

No entanto, essa regra também tem exceções, as quais podem acarretar a responsabilização dos sócios. Uma delas se dá via desconsideração da personalidade jurídica, hoje com rito processual próprio previsto no novo Código de Processo Civil. Ou em processos de natureza fiscal, na linha do que estabelece a Súmula 435 do STJ ao fixar a presunção de dissolução irregular da sociedade e legitimar o redirecionamento da execução para o sócio-gerente, como previsto no Código Tributário Nacional. Ainda nesta segunda hipótese, note-se que não serão todos os quotistas a responder pelos débitos fiscais, mas somente aqueles que figuravam como administradores.

Com esse olhar já é possível retomarmos a discussão inicial: e quanto aos sócios que saem da sociedade? Nesses casos em que débitos da empresa são redirecionados, deverão responder por até dois anos de sua saída?

Como dito, o STJ veio trazer um pouco mais de luz à discussão, por meio do julgamento do REsp 1.537.521 – RJ. No caso concreto, o sócio recorrente deixou a empresa em junho de 2014, após um acordo para pagamento parcelado de débitos locatícios ter sido firmado. Um ano e meio depois, em dezembro de 2015, a sociedade passou a inadimplir seu compromisso com o locador, o que resultou numa ação de execução.

Considerada como havida a dissolução irregular da sociedade, o juízo de primeiro grau desconsiderou a sua personalidade jurídica e aceitou a inclusão dos sócios, como pleiteado pelo exequente. Dos sócios atuais e daquele que havia saído em 2014, pautando-se nessa regra de responsabilização por até dois anos. Portanto, no caso, para débitos vencidos até junho de 2016.

Após igual conclusão do Tribunal de Justiça Fluminense (processo nº 0017694-89.2014.8. 19.0000), coube ao STJ segregar a responsabilidade desse antigo sócio. Foi considerado que a previsão legal deveria ser aplicada apenas a episódios com fato gerador até a data da saída. Se muito tempo depois a sociedade passou a descumprir seus compromissos, quando já administrada por outrem e sem qualquer participação ou influência do sócio retirante, este não poderia responder por tais situações, já que sequer delas participou, nem indiretamente.

Afastou-se uma evidente injustiça e foi trazida um pouco de segurança (ainda que a decisão não seja vinculante) a futuras relações societárias.

Pois realmente foge do razoável que alguém deva responder pelo que não assumiu ou participou.

A discussão é relevante pois nem sempre é assim, pelo contrário, como ilustra o julgamento pelas duas instâncias do Rio de Janeiro. A apelação foi decidida até por meio de decisão monocrática, que se limitou a analisar o lapso temporal entre a saída do sócio e o início da dívida, sem levar em conta a origem desta.

Uma breve pesquisa jurisprudencial aponta que o lapso temporal costuma ser adotado de forma fria, e até cruel.

Quando não se vê até a responsabilização direta do sócio retirante, como se a sua saída fosse um indício absoluto de fuga ou de fraude para fugir de compromissos da sociedade (como se ele fosse corresponsável), como muito se via (e ainda se vê) principalmente na Justiça do Trabalho.

O próprio STJ por muitas vezes não restringiu a responsabilidade dos sócios retirantes, como se nota em alguns julgados (AgInt no AgREsp 1.034.255/PE, REsp 1.259.066/SP, 1.312.591-RS). Em trecho do acórdão de um desses casos, chegou a ser assentado que “a jurisprudência desta Corte Superior é assente no sentido de não serem aplicáveis os artigos 1.003 e 1.032 do CC aos casos de desconsideração da personalidade jurídica”.

Vivemos tempos de forte clamor social por justiça, o que é louvável e certamente tende a levar a um amadurecimento do Brasil como nação. Mas essa aparente pressão da sociedade não pode abalar um dos princípios mais caros à democracia: a segurança jurídica.

Nesse sentido, espera-se que a decisão do STJ citada possa trazer um ambiente de maior serenidade entre empreendedores, investidores e gestores, figuras de máxima importância para a geração de empregos e recolhimentos de tributos em qualquer país.

Fonte: Rodrigo Bella Martinez – Valor Econômico