Contribuintes vencem no STJ primeiro julgamento sobre amortização de ágio

Caso analisado é da Cremer, que afastou cobrança de Imposto de Renda e CSLL

Os contribuintes conseguiram vencer ontem o primeiro julgamento sobre ágio no Superior Tribunal de Justiça (STJ). O caso, analisado pela 1ª Turma, é da Cremer, que afastou cobrança de Imposto de Renda (IRPJ) e CSLL pela Receita Federal. A decisão foi unânime.

O precedente inédito, segundo tributaristas, pode ser levado em consideração pelas empresas que vierem a ser derrotadas agora por meio do voto de qualidade no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf). São processos de valores elevados e que costumam dividir os conselheiros, sendo decididos normalmente no desempate — agora de volta às mãos do presidente da turma julgadora, representante da Fazenda.

O assunto foi pouco julgado no Judiciário e não há jurisprudência consolidada, em razão de as decisões dependerem de como cada operação foi estruturada. A segunda instância tem diferentes entendimentos sobre o tema.

Com essa indefinição, de acordo com tributaristas, as empresas devem levar em consideração, além do precedente, a possibilidade de, após derrota no Carf, optarem por uma transação tributária, pagando os valores devidos sem juros e multa, mas com o compromisso de não recorrerem ao Judiciário – previsão que consta no projeto de lei do Carf, que aguarda sanção presidencial.

A decisão do STJ foi dada em recurso da Fazenda Nacional contra acórdão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), que afastou a tributação sobre ágio amortizado na apuração do lucro real nos exercícios seguintes à incorporação da Cremerpar pela Cremer, ocorrida no ano de 2004.

A operação que gerou o ágio foi a compra do controle da Cremer pelo Banco Merrill Lynch. A operação foi realizada em três etapas. Primeiro os controladores da Cremer formaram a Cremerpar para reunir suas participações. Na sequência, com aporte da instituição financeira, compraram as ações dos minoritários. A terceira etapa foi a aquisição do controle da Cremer pelo Merrill Lynch.

Os antigos controladores seguiram com participação diluída. Cada etapa gerou ágio. A Receita Federal não questionou o segundo ágio, gerado com a compra da participação dos minoritários. Mas autuou valores referentes aos outros dois (REsp 2026473).

Em sustentação oral, a procuradora Caroline Silveira, da Fazenda Nacional, afirmou que a reorganização societária não tem os elementos jurídicos que possibilitariam gerar ágio passível de dedução fiscal. A dedutibilidade, acrescentou, é exceção na regra fiscal, permitindo amortização do ágio desde que preenchidos requisitos legais — como a expectativa de rentabilidade futura e a confusão patrimonial entre investidora e investida. “A Cremerpar é uma empresa de prateleira, sem atividade econômica”, disse.

No voto, o relator, ministro Gurgel de Faria, afirmou que, em regra, o ágio pode ser deduzido fiscalmente como custo apenas quando há alienação, extinção ou baixa de investimento. A exceção, segundo os artigos 7 e 8 da Lei nº 9532, de 1997, acrescentou, ocorre quando a participação societária é extinta em caso de fusão, incorporação ou cisão.

Segundo o relator, embora seja justificável a preocupação quanto às organizações societárias exclusivamente artificiais, a Fazenda não pode impedir a dedutibilidade, por si só, do ágio nas hipóteses em que o instituto é decorrente da relação entre “partes dependentes”, como no ágio interno, ou quando há o uso da chamada “empresa veículo”.

Se há preocupação com operações artificiais, disse Gurgel de Faria, cabe ao Fisco, caso a caso, demonstrar a artificialidade, sem pressupor que a existência de ágio entre partes dependentes ou com o emprego de empresa veículo seria abusiva.

Há, no caso, de acordo com o relator, razões reais para o uso de empresa veículo. “Quando a investidora é empresa estrangeira é ainda mais justificável o emprego da empresa veículo.”

Ainda segundo o relator, os artigos 7 e 8 da Lei nº 9532, de 1997, não impedem operações entre partes dependentes ou mediante o emprego de empresa interposta. Quando o legislador quis impedir o ágio interno, afirmou Gurgel de Faria, demonstrou essa intenção de forma direta, por meio da Lei nº 12.973 de 2014, “o que evidencia que antes não havia vedação ao ágio interno”.

No caso concreto, destacou o relator, a criação da Cremerpar tinha propósito negocial. “A substância econômica do negócio jurídico existe. Não havendo que se falar em fraude”, disse ele. Mais que uma faculdade, acrescentou, era uma necessidade do investidor estrangeiro.

Em seu voto, Gurgel de Faria ainda lembrou que a Receita Federal não identificou nenhuma fraude, tanto que não foi imposta a multa qualificada de 150%. Tanto requisitos formais quanto materiais dos artigos 7 e 8 da Lei nº 9532, de 1997, foram cumpridos, de acordo com o relator.

Fonte: Valor Econômico – Por Beatriz Olivon