Tribunais podem julgar repetitivos sobre ICMS da energia elétrica.

Depois de o Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidir pela legalidade da cobrança de ICMS sobre as tarifas correspondentes ao custo de transmissão (TUST) e de distribuição (TUSD) de energia elétrica, que são discriminadas nas contas dos consumidores, as atenções dos Estados se voltam aos tribunais regionais. A matéria deve começar a ser julgada em caráter repetitivo ­ quando um caso é analisado e a decisão replicada a todos os outros que tratam sobre o mesmo tema.

A discussão é valiosa para os Estados. Estima-­se impacto total de R$ 14 bilhões ao ano na arrecadação se a cobrança do imposto tiver de ser interrompida. São Paulo responde pela maior fatia desse total: R$ 4,5 bilhões. É também o Estado com o maior número de ações de consumidores contra a cobrança do ICMS. Segundo a Procuradoria-­Geral do Estado (PGE), o tema foi judicializado de forma discreta ao longo do ano de 2015 e até a metade de 2016.

Depois disso, em meio à crise econômica, houve um “aumento estratosférico da demanda”. A PGE calcula um acréscimo de 800%, o que corresponde a aproximadamente duas mil ações por mês. E a situação teria se agravado ainda mais no começo deste ano.A enxurrada de processos motivou a PGE a ingressar, no Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), com um pedido de Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR) ­ como são chamados os julgamentos repetitivos na segunda instância.

Esse é um instrumento novo e ainda pouco usado pelos tribunais do país. Foi instituído por meio do novo Código de Processo Civil (CPC), que está em vigor há somente um ano. Se o incidente solicitado pela PGE for admitido, devem ser suspensas todas as ações que tratam sobre a cobrança do ICMS nas tarifas correspondentes ao custo de transmissão e distribuição de energia que tramitam na Justiça do Estado. E a decisão, quando proferida, valerá para todas elas.

Situação semelhante está se repetindo no Paraná ­ mas com discussão um pouco mais avançada. O Tribunal do Estado (TJ­PR) já admitiu o julgamento em repetitivo e os processos que tratam da matéria estão suspensos desde o dia 13 de janeiro. Não há ainda, porém, uma data prevista para o julgamento de mérito, que decidirá sobre a cobrança.

Existe expectativa, por parte dos Estados, de que o posicionamento do STJ sobre o tema influencie na decisão dos desembargadores. A situação, antes de os ministros se manifestarem, não era das mais favoráveis. Havia Estados em que a segunda instância vinha proferindo decisões majoritariamente contrárias à cobrança do imposto.

Como no caso do Rio de Janeiro, que enfrenta uma de suas piores crises financeiras. Só na capital fluminense são 343 ações desse tipo, a maioria com liminares concedidas aos contribuintes. O governo não ingressou com pedido de IRDR, mas, segundo a PGE, está mobilizando o núcleo que atua em demandas voltadas à energia elétrica para “um corpo a corpo com os desembargadores do TJ­RJ” na tentativa de reverter decisões contrárias.

Conforme cálculo da Secretaria da Fazenda do Rio, o impacto aos cofres públicos, em caso de impedimento da cobrança, seria de R$ 1,2 bilhão. A argumentação dos contribuintes, que vinha sendo aceita, era de que deveria incidir ICMS somente sobre o valor da mercadoria ­ no caso, a energia elétrica ­ e não sobre todos os valores envolvidos na operação. Ou seja, o que correspondesse a gastos com transmissão e distribuição não deveria ser incluído na base de cálculo da cobrança.

O STJ decidiu em favor da tese dos Estados em um julgamento da 1ª Turma, na semana passada. O caso analisado envolvia o governo do Rio Grande do Sul e a empresa Randon, fabricante de carrocerias e reboques que se enquadra nos consumidores de energia livre (com aquisição direta das geradores).

Relator do caso, o ministro Gurgel de Faria entendeu que não seria possível dividir as etapas do fornecimento de energia para fins de incidência do ICMS. A base de cálculo, enfatizou em seu voto, inclui tanto os custos de geração, como a transmissão e a distribuição.

“A geração, a transmissão e a distribuição formam o conjunto dos elementos essenciais que compõe o aspecto material do fato gerador, integrando o preço toral da operação mercantil”, afirma Gurgel de Faria em seu voto. O seu posicionamento foi seguido pela maioria dos ministros que votou a matéria. Coordenador da Procuradoria Fiscal da PGE do Rio Grande do Sul, Ernesto José Toniolo entende que, apesar de o caso analisado pelo STJ envolver um consumidor de energia livre, a mesma tese se aplicaria aos consumidores menores (pessoas físicas, que são denominadas como consumidores cativos). “Porque a tese é menos complexa”, afirma Toniolo. “Acreditamos que vencendo a tese do consumidor livre, nós estaríamos vencendo todas as teses.”

Ele explica que o consumidor cativo tem um único contrato de energia, diretamente com a concessionária. Já o consumidor de energia livre tem contratos separados, um diretamente com a geradora de energia com quem fez negócio e outro com a distribuidora. A tese contra a incidência do imposto estava baseada justamente nessa questão. A alegação do consumidor era a de que só poderia haver a cobrança do imposto sobre a taxa de energia, do contrato com a geradora, e não sobre as demais operações.

O impacto dessa discussão para o governo gaúcho, segundo a procuradoria, é de R$ 1,5 bilhão ao ano. E, segundo cálculos da Secretaria da Fazenda, se acolhida a tese dos contribuintes, o Estado poderia ser obrigado a restituir a quantia de R$ 7,5 bilhões referentes aos últimos cinco anos de recolhimento do ICMS.

Para o secretário-­geral do Sindicato dos Agentes Fiscais de Renda do Estado de São Paulo (Sinafresp), Glauco Honório, aceitar a tese dos contribuintes, no caso da energia, seria o mesmo que permitir a um consumidor que adquire um eletrodoméstico, por exemplo, se negar a pagar os custos envolvidos no preço final.

“Imagine um consumidor que vai a uma loja de departamentos, paga R$ 3 mil em uma televisão e sabe que desse total, R$ 200 foram embutidos como gasto de propaganda da marca. A partir dessa informação, então, ele resolve não querer pagar ICMS sobre aquela parcela. A situação é a mesma. Impossível dividir dessa forma”, compara.

Honório chama a atenção ainda que a Lei Kandir, de 1996, é clara no sentido de que a base de cálculo do ICMS equivale ao valor da operação. “Então é tudo o que compõe o preço final”, acrescenta.